quarta-feira, julho 11, 2007

PLANEJAMENTO EDUCACIONAL EM DEBATE : CONSERVAÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO?

Célia Costa[1]
Itamar Silva[2]

Tratar de Planejamento Educacional numa perspectiva de transformação pressupõe, num primeiro momento, uma análise dos determinantes que se acham implicados no fenômeno social em sua totalidade, compreendido enquanto um “complexo de relações sociais diferenciadas e contraditórias, o que requer necessariamente, a clareza de suas determinações e o desvendar da base em que a mesma se assenta, permitindo conceber o todo social como uma unidade na diversidade, uma síntese de múltiplas determinações”.
Tudo isto nos conduz à reflexão sobre a formação social capitalista e das contradições provindas do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, o que requer o entendimento da forma pela qual os homens produzem a sua existência material e social que se materializam tanto nas relações econômicas objetivas como nas relações sociais que se estabelecem a partir destas, mediadas pelo trabalho coletivo.
No entanto, observa-se a existência de um acentuado descompasso no ritmo de desenvolvimento entre as forças produtivas e as relações de produção, gerando, com isto, a luta de classes e, numa escala maior o conflito social.Tais contradições, entretanto, não se desenvolvem de forma exclusiva na infra-estrutura social, elas perpassam toda a sociedade inclusive os aparelhos de Estado.
Não obstante tal afirmativa, o Estado procura intervir precipuamente nas relações sociais de produção visando a obtenção da coesão e da coerência na reprodução do sistema global.É justamente neste sentido que surge o Planejamento como uma ação do Estado que objetiva numa primeira instância, atender aos interesses da reprodução ampliada do capital ao mesmo tempo em que reproduz contraditoriamente as relações de produção.
Constitui deste modo, o Planejamento uma forma transformada da luta de classes, ele começa e tem fim numa relação de poder.
Neste sentido, quanto mais se complexifica a intervenção do Estado no sistema social global, mais se acentua a divisão social do trabalho. Esta se configura pela separação entre os que pensam e os que executam um trabalho manual, ou ainda, entre aqueles que planejam e aqueles que se encarregam exclusivamente de sua operacionalização.
Tal divisão assume maiores proporções na medida em que se desenvolvam as forças produtivas, em outras termos, quanto mais complexa a estrutura social, maior a divisão social do trabalho.
Nesta perspectiva, o Planejamento evidencia como papel fundamental a reprodução do modelo social vigente. Visa tão somente reforçar as formas de exploração típicas da sociedade classista.
Diante do exposto, como pensar no Planejamento numa dimensão de transformação social?
É possível propor um Planejamento que possa contribuir efetivamente para o processo de transformação da sociedade que ele reproduz?O que seria um Planejamento comprometido com os interesses dos segmentos majoritários da população?
Tais questionamentos evidenciam a possibilidade de se conceber um Planejamento comprometido, de fato com as mudanças da estrutura social, passando da simples manutenção da ordem social estabelecida à prática da transformação.
Caberia, neste sentido, ao Planejamento “caminhar mantendo a pressão, o conflito, a dialética entre o velho e o novo, entre a reprodução e a transformação”.
Assim, no âmago do próprio Planejamento reside a contradição, de um lado, a tendência à conservação, à reprodução, de outro, a tarefa que diríamos de cunho transformador. Choque, conflito, luta entre estas tendências extremistas, eis o espaço político do ato de planejar.
Neste sentido, a contradição traduz a dimensão central de um Planejamento voltado para as reais mudanças das estruturas sociais, encerrando a sua dinâmica, a sua força motriz, o seu caráter dialético, segundo o qual os contrários coexistem como determinação e negação um do outro. O que equivale a afirmarmos que “os contrários opõem-se e se impregnam mutuamente. Cada um deles é condição para que exista o outro e no seu movimento cada um se converte no outro”.
Diante disto, a realidade social deve ser encarada como o lugar real onde se processa a luta de classes, no interior da qual se efetiva o Planejamento.Considerar, pois, o planejamento em sua organicidade dialética com o sistema social implica em inseri-lo no processo das relações de classe que se acham condicionada, em última instância, pelas relações sociais de produção.
Ignorar a contradição do Planejamento revela uma postura ratificadora do status quo, visto que negar esta dimensão do ato de planejar equivale a extrair da realidade concreta o seu caráter profundo de inacabamento, o seu movimento real.Perceber a contradição inerente ao Planejamento implica também a percepção da totalidade que permeia a apreensão da realidade social global, suas múltiplas manifestações, suas leis íntimas, suas articulações internas, o que equivale a discernir a percepção desta realidade em si.
Contradição e totalidade constituem, assim, dimensões que não podem escapar à análise do Planejamento em sua relação dinâmica com o todo social. Pois, a totalidade sem contradições é vazia e inerte, e as contradições fora da totalidade são formais e arbitrárias.
Desta forma, a dimensão dialética da totalidade pressupõe a articulação entre as partes e o todo e das partes entre si.
Portanto, o ato de planejar só é compreensível em sua articulação dialética com as relações sociais globais. Planejar encerra, assim, uma atitude aberta, dinâmica, em constante processo de desenvolvimento no intuito de captar as relações que se travam no todo social e entre as partes que o compõem, numa conexão, dialética.
E, dentre as partes que materializam a totalidade social encontramos a Educação, entendida enquanto um processo inserido na trama das relações sociais complexas, carregando entre si uma visão de mundo existente os indivíduos e que lhes é perpassada nas relações sociais pelos costumes, idéias, valores e conhecimentos. A educação se acha, pois, estreitamente relacionada com o todo social mediante as relações de classe e estas, por seu turno, se vinculam ao todo mediante o processo educativo.
Com efeito, a Educação enquanto uma prática social concreta visa, explicitamente, consolidar ou transformar a estrutura sócio-econômica, implicando esta última na simultânea transformação da relação de poder vigente.
Nesta perspectiva percebemos que o Planejamento Educacional também guarda em seu próprio bojo uma função contraditória.Por um lado, ao implementar as Políticas Educacionais mediante a ação planificada, o Estado viabiliza o exercício do poder social que se corporifica nas idéias, nos planos, na legislação educacional e nas medidas administrativas, com vistas à consolidação de seu projeto hegemônico.
Noutro sentido, o Planejamento revela um caráter eminentemente transformador que é tanto mais ativado quanto mais os planejadores dão ênfase à perspectiva política, à proporção que conseguem apreender a dimensão social do ato de planejar, adequando suas práticas pedagógicas a esta dimensão.
Neste sentido, o planejador também é um ator político. Exerce um papel de agente viabilizador de uma práxis coerente com o discurso proclamado, numa postura crítica, por excelência, frente à realidade sócio-educacional.Assim, os planejadores poderão fazer de sua ação planificadora um ato concreto de transformação, a partir da construção de sua identidade política, da compreensão de que fazem parte de um estrato social de trabalhadores que se encontram subordinados às restrições do processo de produção da sociedade classista.
A prática do Planejamento Educacional se firmada na nítida percepção histórico-crítica da realidade, se voltada para fins político-educacionais compatíveis com os reais interesses da classe trabalhadora e, se munida de uma competência técnica, exercerá, certamente, decisivo papel na edificação de um projeto social mais igualitário.
Pensar, pois, o Planejamento Educacional na dimensão da transformação, pressupõe um permanente processo de reflexão acerca da Educação no sentido de desvelar possibilidades de superação de práticas educativas conservadoras, ao mesmo tempo em que possa contribuir para a concretização de um projeto social a favor das classes populares e ao qual se acha articulado.
Finalmente, as possibilidades da materialização de um Planejamento Educacional de traço transformador se acham estreitamente vinculadas ao próprio processo de organização da sociedade civil. Quanto maior o grau de mobilização popular maiores espaços de consolidação de um planejamento notadamente transformador, o que ratifica a dimensão política do ato de
planejar.
Portanto, a correlação de forças que se trava entre as classes fundamentais da sociedade apontará a direção do caráter dominante do Planejamento: CONSERVAÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO?

Recife, junho de 1989.

BIBLIOGRAFIA

BURSZTYN, M. O poder dos Donos: Planejamento e Clientelismo Político no Nordeste. Petrópolis, Vozes, 1984.
CURY, C. J. Educação e Contradição: Elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. S. Paulo, Cortez, autores associados, 1985.
IANI, Otávio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-70). 4a ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986.
OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma Re(ligião): SUDENE Nordeste, Planejamento e Conflito de Classes, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
[1] Doutora em Sociologia e professora do Centro de Educação da UFPE.
[2] Mestre em Ciência política e professor da UFPB

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