PLANEJAMENTO EDUCACIONAL EM DEBATE CONSERVAÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO?
Célia Costa
Itamar Nunes
Tratar de planejamento educacional numa perspectiva de transformação pressupõe, num primeiro momento, uma análise dos determinantes que se acham implicados no fenômeno social em sua totalidade, compreendido enquanto um complexo de relações sociais diferenciadas e contraditórias, o que requer, necessariamente a clareza de suas determinações e o desvelar da base em que a mesma se assenta, permitindo conceber o todo social como uma unidade na diversidade, uma síntese de múltiplas determinações.
Tudo isso nos conduz a uma reflexão sobre a formação social capitalista e das contradições provindas do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção , o que requer o entendimento da forma pela qual os homens produzem sua existência material e social que se concretizam tanto nas relações econômicas objetivas como nas relações sociais que se estabelecem a partir destas, mediadas pelo trabalho coletivo.
No entanto, observa-se a existência de um acentuado descompasso no ritmo de desenvolvimento entre as forças produtivas e as relações de produção, gerando, com isto, os conflitos sociais.
Tais contradições, entretanto, não se desenvolvem de forma exclusiva na infra-instrutora social, ou base econômica da sociedade, elas perpassam toda a sociedade, inclusive os aparelhos de Estado, a superestrutura. Não obstante, tal afirmativa, o Estado procura intervir precipuamente nas relações sociais de produção visando a busca do consenso através da obtenção da coesão e da coerência na reprodução do sistema global.
É justamente neste sentido que surge o planejamento como uma ação mediadora do Estado que objetiva, numa primeira instancia, atender aos interesses da reprodução ampliada do capital ao mesmo tempo em que reproduz, contraditoriamente, as relações de produção. Constitui, deste modo, o planejamento uma forma transformada da luta de classes, ele começa e tem fim numa relação de poder.
Nesse sentido, quanto mais se complexifica a intervenção do Estado no sistema social, mais se acentua a divisão social do trabalho, sobretudo quando se analisa os momentos históricos regidos pelo modelo fordista-taylorista de produção que predominou do final do século XIX a meados do século XX. Esta se configura pela separação entre os que pensam e os que executam, entre aqueles que exercem uma atividade intelectual e aqueles que executam um trabalho manual, ou ainda, entre aqueles que planejam e aqueles que se encarregam exclusivamente de sua operacionalização. Tal divisão assume maiores proporções na medida em que se desenvolvem as forças produtivas, em outros termos, quanto mais complexa a estrutura social, maior a divisão social do trabalho.
Hoje, com o advento dos avanços científico-tecnológicos e com o processo de reestruturação produtiva regida pelo modelo da acumulação flexível, a planificação assume novo formato expresso pela pretensa participação dos trabalhadores nos processos produtivos de modo a garantir seu papel fundamental de reprodução do modelo social vigente.
Ressalte-se que esse novo paradigma que orienta o sistema produtivo se apresenta mais consistente proporcionando à economia capitalista um processo mais ágil e lucrativo de produção de mercadorias. Esse novo modelo busca aliar avanços tecnológicos (automação, robótica, microeletrônica) com novas formas de gestão da força de trabalho na produção.
Diante do exposto, como pensar num planejamento numa dimensão de transformação social?
É possível propor um planejamento que possa contribuir efetivamente para o processo de transformação da sociedade que ele reproduz?
O que seria um planejamento comprometido com os interesses dos segmentos majoritários da população?
Tais questionamentos evidenciam a possibilidade de conceber um planejamento comprometido de fato com as mudanças da estrutura social, passando da simples manutenção da ordem social estabelecida à prática da transformação.
Caberia, nesse sentido, ao planejamento caminhar mantendo a pressão, o conflito, a dialética entre o velho e o novo, entre a reprodução e a transformação. O fortalecimento da sociedade civil através de seus processos organizativos e mobilizatórios tem se traduzido em políticas públicas a favor da maioria da população, sinalizando práticas transformadoras na forma de planejar do Estado capitalista.
Vale considerar que o Estado vem assumindo, nos tempos hodiernos, uma feição democratizante
Assim, no âmago do próprio planejamento reside a contradição: de um lado, a tendência à conservação, à reprodução, de outro, a tarefa que diríamos de cunho transformador. Choque, conflito, luta entre estas tendências extremistas, eis o espaço político do ato de planejar.
Nesse sentido, a contradição traduz a dimensão central de um planejamento voltado para as reais mudanças das estruturas sociais, encerrando a sua dinâmica a força motriz, o seu caráter dialético, segundo o qual os contrários coexistem como determinação e negação um do outro. O que equivale a afirmar que os contrários opõem-se e se impregnam mutuamente. Cada um deles é condição para que exista o outro e no seu movimento cada um se converte no outro.
Diante disso, a realidade social deve ser encarada como o lugar real onde se processam as lutas sociais, no interior das quais se efetiva o planejamento. Assim, considerar, pois, o planejamento em sua organicidade dialética com o sistema social implica em inseri-lo no processo de lutas sociais e políticas, podendo se traduzir num poderoso instrumento de mediação entre os diferentes interesses que transitam na sociedade.
Ignorar a contradição do planejamento revela uma postura ratificadora do status quo dominante, visto que negar esta dimensão do ato de planejar equivale a extrair da realidade concreta o seu caráter profundo de inacabamento, o seu movimento real.
Tal entendimento
Perceber a contradição inerente ao planejamento implica também a percepção da totalidade que permite a apreensão da realidade social global, suas múltiplas manifestações, suas leis íntimas, suas articulações internas, o que significa discernir a percepção desta realidade em si.
Contradição e totalidade constituem, assim, dimensões que não podem escapar à análise do planejamento em sua relação dinâmica com o todo social. Pois, a totalidade sem contradições é vazia e inerte, e as contradições fora da totalidade são formais e arbitrárias.
Dessa forma, a dimensão dialética da totalidade pressupõe a articulação entre as partes e o todo e das partes entre si. Portanto, o ato de planejar só é compreensível em sua articulação dialética com as relações sócias mais amplas. Planejar encerra, assim, uma atitude aberta, dinâmica, em constante processo de desenvolvimento no intuito de captar as relações que se travam no todo social e entre as partes que o compõem, numa conexão dialética.
E, dentre as partes que materializam a totalidade social encontramos a educação, entendida como um processo inserido na trama das relações sociais complexas, carregando em si uma visão de mundo existente entre os indivíduos e que perpassa as relações sociais pelos costumes, idéias, valores e conhecimentos. A educação se acha, pois, estreitamente relacionada com o todo social mediante as relações de classe e estas, por seu turno, se vinculam ao todo mediante o processo educativo.
Com efeito, a educação enquanto uma prática social concreta visa, explicitamente, consolidar ou transformar a estrutura sócio-econômica, implicando esta última na simultânea transformação da relação de poder vigente.
Nessa perspectiva, percebemos que o planejamento educacional também guarda em seu próprio bojo uma função contraditória. Por um lado, ao implementar as políticas educacionais mediante a ação planificada, o Estado viabiliza o exercício do poder social que se corporifica nas idéias, nos planos, na legislação educacional e nas medidas administrativas, com vistas à consolidação de seu projeto hegemônico.
Noutro sentido, o planejamento revela um caráter eminentemente transformador que é tanto mais ativado quanto mais os planejadores dão ênfase à perspectiva política, à proporção que conseguem apreender a dimensão social do ato de planejar, adequando sua prática pedagógica a esta dimensão.
Nesse sentido, o planejador é também um ator político. Exerce papel de agente viabilizador de uma práxis coerente com o discurso proclamado, numa postura crítica, por excelência, frente à realidade sócio-educacional.
Assim, os planejadores poderão fazer de sua ação planificadora um ato concreto de transformação, a partir da construção de sua identidade política, da compreensão de que fazem parte de um estrato social de trabalhadores que se encontram subordinados às restrições do processo de produção da sociedade classista.
A prática do planejamento educacional, se firmada na nítida percepção histórico-crítica da realidade, se voltada para fins político-educacionais compatíveis com os reais interesses das classes populares e, se munida de uma competência técnica, exercerá, certamente, decisiva influência na edificação de um projeto social mais igualitário.
Pensar, pois, o planejamento educacional na dimensão da transformação pressupõe um permanente processo de reflexão à cerca da educação tendo em vista desvelar possibilidades de superação de práticas educacionais conservadoras, ao mesmo tempo em que possa contribuir para a concretização de um projeto social a favor da maioria e ao qual se acha articulado.
Finalmente, as possibilidades de materialização de um planejamento educacional de traço transformador se acha estreitamente vinculadas ao próprio processo de organização da sociedade civil. Quanto maior o grau de mobilização popular, maiores são os espaços de consolidação de um planejamento notadamente transformador, o que ratifica a dimensão política do ato de planejar.
Portanto, a correlação de forças que se trava entre as classes fundamentais da sociedade apontará a direção do caráter dominante do planejamento: CONSERVAÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO.
2 comentários:
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